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2021 08 18 LEITURA E DISCUSSÃO SOBRE O MAL DA MACONHA
BASEADO EM EVIDÊNCIAS
O mais completo estudo já conduzido sobre os efeitos da maconha comprova que a droga faz muito mal ao cérebro dos adolescentes – e vira atalho para a depressão e pensamentos suicidas.
Com exceção das drogas legais, não há nenhuma outra com aceitação tão crescente como a maconha, a erva consumida por cerca de 180 milhões de pessoas no planeta. A aceitação se mostra no debate em favor de sua legalização, ou de sua descriminalização. Nos Estados Unidos, 33 dos cinquenta estados já descriminalizaram o porte da maconha para uso recreativo ou medicinal – e em onze deles houve liberação de venda. O exemplo mais notável é o Uruguai, um país com apenas 3,4 milhões de habitantes, que se tornou o primeiro, em 2013, a legalizar a produção, o comércio e o uso da marijuana.
As experiências são relativamente recentes e, portanto, seu saldo definitivo ainda é desconhecido. Mas, enquanto isso. há movimentos em diversos países em prol da liberalização do consumo e do porte da droga. Mesmo no Brasil o Supremo Tribunal Federal retomará agora em junho uma discussão, interrompida em 2015 por um pedido de vista do então ministro Teorí Zavascki, sobre a descriminalização do porte de até 25 gramas para cidadãos com mais de 18 anos. Quando a discussão foi paralisada, o placar estava em 3 a O a favor da descriminalização.
No bojo desse movimento global, os profissionais de saúde fazem um sério alerta. Eles julgam que a discussão jurídica e comportamental não inclui um aspecto essencial, a questão da saúde dos consumidores. “De forma surpreendente e assustadora, o hábito entre os jovens tem sido ignorado na maioria das decisões das autoridades”, diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, da Universidade Federal de São Paulo, referência no tratamento de dependência química no Brasil. “Com isso, estamos criando uma legião de adultos psicóticos”. Pois é justamente no campo da saúde física e mental que acaba de surgir uma novidade.
Na edição de fevereiro, o conceituado jornal americano Jama Psichiatry publicou um estudo que reúne informações de onze pesquisas de universidades dos Estados Unidos, da Europa e da Oceania. O resultado: pessoas que usam maconha quando jovens têm risco maior de se tornar adultos com depressão (37¾ acima da média populacional), ter pensamentos suicidas (50% a mais) e são três vezes mais propensas a tentar tirar a própria vida. O levantamento reuniu dados de 23.317 pessoas. Eram homens e mulheres que haviam fumado até perto dos 18 anos e tinham parado; e também pessoas que continuaram a fumar pelo menos até os 32anos. Os problemas de saúde detectados nos dois grupos – dos que pararam aos 18 e dos que continuaram a consumir a erva – foram altamente semelhantes. A conclusão dos pesquisadores: é na adolescência que a maconha inflige seus maiores danos. Os efeitos deletérios são detectados a partir de quatro cigarros semanais, ao longo de pelo menos um ano – quantidade que define o consumo crônico da droga. “Tolerar o uso da maconha nessa fase da vida é um dos atos mais irresponsáveis que os pais podem ter com seus filhos, e eles mesmos com sua consciência”, diz Laranjeira.
O motivo da agressão tem origem na própria constituição do organismo humano. Nenhuma droga encontra tantos receptores prontos para interagir com o cérebro como a maconha. Tal efeito vem sobretudo de um dos compostos da erva, o tetraidrocanabinol (THC). Ele imita a ação de substâncias produzidas naturalmente, os endocanabinoides, neurotransmissores que participam da comunicação entre os neurônios, as chamadas sinapses. Interferir nesse mecanismo pode tornar as sinapses ineficientes. É o que faz o THC, ao ocupar o lugar dos endocanabinoides. No corpo jovem, isso pode deixar marcas indeléveis. Da puberdade até por volta dos 25 anos, o cérebro vive um processo conhecido no jargão científico como podo neural. Nela, as sinapses modificam-se intensamente, para se consolidar na fase adulta. A presença da maconha, nessa sinfonia, desafina a orquestra, e os neurônios passam a fabricar sinapses frágeis. É ineficiência que, tendo começado cedo, pode se perpetuar. “Se o adulto que fumou maconha de modo crônico na juventude se considera bem, intelectualmente apto e ágil, a medicina revela que ele muito possivelmente está aquém do que poderia ter sido”, explica o psiquiatra Valentim Gentil, do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo.
Por algum motivo ainda não totalmente decifrado pela medicina, há áreas em que a perigosa afinidade neural com a maconha é ainda mais intensa. Uma delas é o córtex frontal, associado a habilidades como aprendizado, memória, atenção e tomada de decisões. Ou a região parietal, que responde pela percepção de estímulos sensoriais. Quando essas áreas são afetadas pelo THC, dá-se o aumento do risco de depressão e tentativa de suicídio na vida adulta, como apontou o estudo publicado no Jama. O usuário adolescente pode vir a ter, mais tarde, também dificuldades permanentes de concentração, raciocínio e planejamento, mesmo quando deixa de usar a droga. “As consequências tardias podem contribuir para a maconha ser subestimada e ter fama de inofensiva. Talvez esse seja o maior perigo dessa droga”, diz o neurocirurgião Arthur Cukiert, da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia.
Em contraste, os efeitos diretos do álcool e da cocaína sobre o cérebro se dissipam, na maioria das vezes, com mais facilidade, poucos dias depois de interrompido o consumo – embora, ressalve-se, os distúrbios provocados pelo uso contínuo de álcool e cocaína sejam devastadores. No cérebro, essas duas substâncias deixam as membranas dos neurônios mais frágeis. Mas essas estruturas celulares têm alta capacidade de regeneração, com a interrupção do consumo. Tanto a cocaína quanto o álcool liberam grandes quantidades de dopamina, o hormônio do prazer. A sensação é de euforia, de poder. Já os efeitos da maconha, o relaxamento e o torpor, caem como uma luva para o adolescente, que está numa fase da vida em que não se encarara grandes responsabilidades práticas, mas se experimenta uma montanha-russa de comportamentos e emoções provocados pelas alterações hormonais. Mais: a maconha é barata. Com cerca de 4 reais compra-se 1 grama, o suficiente para um cigarro.
Nunca se usou tanta maconha como agora. Dos 180 milhões de consumidores no mundo, 3 milhões estão no Brasil – o dobro em relação há uma década. Seis em cada dez usuários são adolescentes – dos quais cerca de 30% fumam acima de um cigarro por semana. Isso equivale a dizer que, no Brasil, cerca de 540.000 dos adolescentes que estão consumindo a droga hoje podem vir a ser adultos com as disfunções mentais que o estudo do Jama apontou.
Há alguns anos, alastraram-se entre os usuários mais jovens duas formas particularmente prejudiciais de utilizar a droga. Uma delas é o skunk (gambá, em português), uma variedade de planta da maconha com maior concentração de THC. O skunk costuma conter mais de 10¾ de THC. A maconha comum, por volta de 2% a 4%. O preço de 1 grama de skunk chega a ser até vinte vezes mais alto – e a ação, muito mais agressiva. Um estudo conduzido em 2015 pelo Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociência do King’sCollege em Londres, com 780 pessoas, revelou que o risco de consumidores do skunk ser acometidos de psicoses, como delírios e alucinações, pode ser até três vezes maior em relação aos jovens que nunca usaram a maconha.
A outra maneira agressiva de consumo é pelo estômago. Proliferam nos Estados Unidos e na Europa alimentos preparados com maconha. Há de tudo: balas, pirulitos, bolos, cereais matinais, doces. Hoje em Denver, capital do Colorado, o primeiro estado americano a autorizar o uso recreativo da maconha, em 2014, 45% do consumo da droga já ocorre dessa forma. No Brasil, proliferam em festas e grupos de amigos os alimentos feitos de modo caseiro com a erva. Na internet, há receitas do “chocotonha”, “brigadonha” e “bolonha”. Parte do sucesso nesse tipo de uso é a crença de se tratar de uma via menos agressiva em relação à droga fumada. Não é verdade. O estômago absorve o THC mais lentamente que os pulmões – após a ingestão, uma pessoa pode levar de meia a uma hora completa para sentir os efeitos, ou até mais, dependendo da quantidade de alimento que precisa ser digerida para que a substância possa ser absorvida ao estômago. E tende-se a comer mais porque não se sente o efeito imediato da droga.
A maconha é originária da planta asiática Cannabis sativa, que contém 480 compostos. Sua ação psicoativa é conhecida desde a antiguidade. mas o THC foi isolado e reconhecido como o principal responsável pelo efeito há apenas meio século, pelo Centro de Pesquisas de Dor da Faculdade de Medicina da Universidade Hebraica de Jerusalém. A morfina, em termos de comparação, foi isolada do ópio há mais de 200 anos, e a cocaína, das folhas de coca há 150. Além do THC, há outro composto que tem sido estudado atualmente pela ciência, o CBD. Ele é o principal responsável pela ação terapêutica da planta, sobejamente aceita pela comunidade científica. Saber que um dos componentes da maconha faz bem tem o mesmo valor de entender, em detalhes, os mecanismos químicos que levam ao mal, sobretudo até o início da vida adulta. E conhecimento é sempre bom, especialmente em relação a um tema que costuma dividir as gerações e provocar opiniões apaixonadas.
A DROGA COMO REMÉDIO
A maconha pode não só ser saudável, mas também salvar vidas. O poder terapêutico está no CBD, um dos 480 compostos da planta que origina a droga, a Cannabis sativa. Ele não é psicoativo nem tóxico como o THC. Não altera o raciocínio, não produz lapsos de memória nem perda cognitiva. Tampouco causa dependência. O CBD é comprovadamente eficaz no controle de convulsões associadas a surtos epiléptico. Ele Interfere na metabolização de substâncias que regulam diversos neurotransmissores e age quando há um desequilíbrio na produção natural desses compostos – o que pode ocorrer nos processos de epilepsia. Por muitos anos, os portadores brasileiros de epilepsia recorriam à Justiça ou eram obrigados a importar o produto dos Estados Unidos, onde na maioria dos estados ele é liberado para uso medicinal. Lá, na forma de pasta, spray ou gotas, é vendido em farmácias de manipulação ou diretamente pelos fabricantes.
Em 2015, a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) retirou o CBD da lista de substâncias proibidas e o pôs no rol de substâncias controladas, reconhecendo de maneira inédita seu efeito terapêutico. Dos cerca de 600.000 brasileiros epilépticos, 30% não respondem aos anticonvulsivantes convencionais. Para eles, o extrato de maconha é uma esperança. Novos estudos conduzidos pela Universidade de São Paulo, no campus de Ribeirão Preto, começam a esmiuçar outro uso do CBD: sua aplicação em tratamentos de fobia social. Realizado em parceria com o Instituto de Pesquisas sobre Abuso de Drogas de Baltimore, nos EUA, o trabalho mostrou que o CBD reduz o medo de falar em público, comum entre os portadores do problema.
FONTE: https://vocacionados121636031.wordpress.com/2019/05/26/outros-olhares-363/
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quarta-feira, 11 de agosto de 2021
MACONHA FAZ MAL, SIM- LEITURA E REFLEXÃO
Por ADRIANA DIAS LOPES
VEJA 29/10/2012
O atual liberalismo em torno do consumo
da droga está em descompasso com as pesquisas médicas mais recentes. As
sequelas cerebrais são duradouras, sobretudo quando o uso se dá na
adolescência.
“Hoje ainda, até o fim do dia,
1 milhão de brasileiros terão fumado maconha. A maioria dessas pessoas está
plenamente convencida de a droga não faz mal. Elas conseguem trabalhar,
estudar, namorar, dirigir, ler um livro, cuidar dos filhos… A folha seca e as
flores de Cannabis são consumidas agora com uma naturalidade tal que nem parece
ser um comportamento definido como crime pela lei penal brasileira. O aroma
penetrante inconfundível permeia o ar nas baladas, nas áreas de lazer dos
condomínios fechados, nos carros, nas imediações das escolas.
A maconha que em outros tempos
já foi chamada de “erva maldita”, agora ganhou uma aura inocente de produto
orgânico e muitos de seus usuários acendem os “baseados” como se isso fosse
parte de um ritual de comunhão com a natureza, uma militância-. espiritual de
sintonia com o cosmo. Ha uma gigantesca onda de tolerância com esse vício. Nos
Estados Unidos, dezessete estados já regulamentaram seu uso medicinal. Em
novembro, os estados de Washington E Colorado farão um plebiscito sobre a
legalização. No Uruguai, o presidente José Mujica pretende estatizar a produção
e a distribuirão da droga. Em maio deste ano, no Brasil, sob o argumento do
direito à liberdade de expressão, o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou a
marcha da maconha – desde, é caro que ela não fosse consumida pelos manifestantes,
em um de seus shows, em janeiro, Rita Lee causou tumulto ao interromper a
apresentação em Sergipe para interpelar os policiais que tentavam reprimir o
fumacê na platéia: “”Este show é meu. Não é de vocês. Por que isso? Não pode
ser por causa de um baseadinho. Cadê um baseadinho pra eu fumar aqui?””.
Na contramão da liberalidade
oficial, legal e até social com o uso da maconha, a ciência médica vem
produzindo provas cada dia mais eloquentes de que a fumaça da maconha faz muito
mal para a saúde do usuário crônico – quem fuma no mínimo um cigarro por semana
durante um ano. Fumar na adolescência, então, é um hábito que pode ter
consequências funestas para o resto da vida da pessoa. Aqueles cartazes das
marchas que afirmam que “maconha faz menos mal do que álcool e cigarro” são
fruto de percepções disseminadas por usuários, e não o resultado de pesquisas
científicas incontrastáveis. Maconha não faz menos mal do que álcool ou
cigarro. Cada um desses vícios agride o organismo a sua maneira, mas, ao contrário
do que ocorre com a maconha, ninguém sai em passeata defendendo o alcoolismo ou
o tabagismo. Diz um dos mais respeitados estudiosos do assunto, o psiquiatra
Ronaldo Laranjeira, da Universidade Federal de São Paulo: “Encarar o uso da
maconha com leniência é uma tese equivocada, arcaica e perigosa”.
Alguns dos argumentos para a
legalização da maconha têm uma lógica perfeita apenas na aparência. Os
defensores da legalização alegam que. vendida legalmente, a maconha também
seria cultivada dentro da lei e industrializada. A oferta aumentaria e os
preços cairiam. Isso tornaria inúteis os traficantes. Eles sumiriam do mapa,
levando consigo todo o imenso colar de roubos, assassinatos e corrupção
policial que a repressão à maconha provoca. O argumento não resiste ao mais
simples teste de realidade embutido na pergunta: “Quem disse que traficante
vende só maconha?”. Se a maconha fosse liberada, o tráfico de cocaína, heroína
e crack continuaria e todos os problemas sociais decorrentes do poder desse
submundo ficariam intactos. Acrescente-se à equação o fato de que a maconha
efetivamente faz mal à saúde, e a lógica dos defensores de sua legalização
evapora-se no ar ainda mais rapidamente.
Um dos estudos mais
impactantes e recentes sobre os males da maconha foi conduzido por treze
reputadas instituições de pesquisa, entre elas as universidade Duke, nos
Estados Unidos, e de Otago, na Nova Zelândia. Os pesquisadores acompanharam
1000 voluntários durante 25 anos. Eles começaram a ser estudados aos 13 anos de
idade. Um grupo era composto de fumantes regulares de maconha. Os integrantes
do outro grupo não fumavam. Quando os grupos foram comparados, ficou evidente o
dano à saúde dos adolescentes usuários de maconha que mantiveram o hábito até a
idade adulta. Os fumantes tiveram uma queda significativa no desempenho
intelectual. Na média, os consumidores crônicos de maconha ficavam 8 pontos
abaixo dos não fumantes nos testes de Q.I. Os usuários de maconha saíram-se mal
também nos testes de memória, concentração e raciocínio rápido. Os resultados
mostram que é falaciosa a tese de que fumar maconha com frequência não
compromete a cognição. Diz o psiquiatra Laranjeira: “Se o usuário crônico acha
que está bem, a ciência mostra que ele poderia estar muito melhor sem a droga.
A maconha priva a pessoa de atingir todo o potencial de sua capacidade”.”
O cineasta paulistano Álvaro
Zunckeller, de 32 anos, fumou maconha durante duas décadas, desde a
adolescência, com os amigos, na roda do bar e na saída da escola. No início,
era um cigarro a cada duas semanas. Chegou a três por dia. “Era um viciado, mas
para a maioria das pessoas eu era um sujeito sossegado, apenas um pouco
desatento”, conta ele. Zunckeller é um caso típico da brasa dormida dos danos
da maconha ao cérebro confundidos com um comportamento ameno e um estilo de
vida mais contemplativo. Apenas 10% dos pacientes internados em clínicas de
recuperação de dependentes foram parar ali para tentar se livrar do vício da
maconha. Ainda assim, muitos dos usuários da droga nessas clínicas foram
diagnosticados com esquizofrenia, bipolaridade, depressão aguda ou ansiedade —
sendo o vício de maconha apenas um componente do quadro psicótico e não seu
determinante.
Até pouco tempo atrás vigorou
a tese de que a maconha só deflagra transtornos mentais em pessoas com
histórico familiar dessas doenças. Essa noção benigna da maconha foi sepultada,
entre outros trabalhos, por uma pesquisa feita pelo Instituto de Saúde Pública
da Suécia. Um grupo de 50000 voluntários foi avaliado durante 35 anos. Eles consumiram
maconha na adolescência. Os suecos demonstraram que o risco de usuário de
maconha sem antecedentes genéticos vir a desenvolver esquizofrenia ou depressão
é muito mais alto do que o da população em geral. Entre os usuários de maconha
pesquisados, surgiram 3,5 mais casos de esquizofrenia do que na média da
população. No que se refere à depressão, o número de casos clínicos foi o
dobro. Os sinais de perigo da fumaça estão surgindo em toda parte. “O
bombardeio repetido da maconha sobre o cérebro cria uma marca neuronal
indelével”, diz Ana Cristina Fraia, psicóloga da Clínica Maia Prime, em São
Paulo, especializada no tratamento de dependência química.
A razão básica pela qual a
maconha agride com agudeza o cérebro tem raízes na evolução da espécie humana. Nem
ó álcool, nem a nicotina do tabaco; nem a cocaína, a heroína ou o crack;
nenhuma outra droga encontra tantos receptores prontos para interagir com ela
no cérebro como a cannabis. Ela imita a ação de compostos naturalmente
fabricados pelo organismo, os endocanabinoides. Essas substâncias são
imprescindíveis na comunicação entre os neurônios, as sinapses. A maconha
interfere caoticamente nas sinapses, levando ao comprometimento das funções
cerebrais. O mais assustador, dada a fama de inofensiva da maconha, é o fato de
que, interrompido seu uso, o dano às sinapses permanece muito mais tempo — em
muitos casos para sempre, sobretudo quando o consumo crônico começa na
adolescência. Em contraste, os efeitos diretos do álcool e da cocaína sobre o
cérebro se dissipam poucos dias depois de interrompido o consumo.
Com 224 milhões de usuários em
todo o mundo, a maconha é a droga ilícita universalmente mais popular. E seu
uso vem crescendo — em 2007, a turma do cigarro de seda tinha metade desse
tamanho. Cerca de 60% são adolescentes. Quanto mais precoce for o consumo,
maior é o risco de comprometimento cerebral. Dos 12 aos 23 anos, o cérebro está
em pleno desenvolvimento. Em um processo conhecido como poda neural, o
organismo faz uma triagem das conexões que devem ser eliminadas e das que devem
ser mantidas para o resto da vida. A ação da maconha nessa fase de reformulação
cerebral é caótica. Sinapses que deveriam se fortalecer tornando-se débeis. As
que deveriam desaparecer, ganham força.
Os efeitos psicoativos da maconha
são conhecidos desde o ano 2000 antes de Cristo. Seu princípio psicoativo mais
atuante é o tetraidrocanabinol (THC). Um outro componente da droga, o
canabidiol, é o principal responsável pelos seus efeitos potencialmente
terapêuticos. No campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, o
psiquiatra José Alexandre Crippa estuda o efeito do canabidiol no tratamento da
fobia social. Trinta e seis voluntários, metade deles composta de fóbicos,
ingeriram cápsulas da substância e, em seguida, tiveram de falar em público. Os
níveis de ansiedade apresentados pelos portadores do transtorno equivaleram aos
registrados pelos participantes sem a fobia. Todos os estudos sérios sobre os
potenciais usos médicos da maconha mediram os efeitos de uma única substância,
selecionada e isolada em laboratório — e não da inalação da fumaça de um
cigarro. Diz Crippa: “Os defensores do uso medicinal do cigarro da maconha
querem mesmo é obter a liberação da droga”. Nos Estados Unidos floresce uma
indústria de falsificação de receitas depois da legalização da erva para o
tratamento do glaucoma e no controle da náusea de pacientes submetidos a
quimioterapia. Para a alegria dos viciados, médicos inescrupulosos prescrevem a
droga por preços que variam de 100 a 500 dólares.
Em nenhum país a maconha é
completamente liberada. Um dos mais notoriamente tolerantes é a Holanda, que
permite o consumo da erva nos coffee shops, mas, ainda assim, os proprietários
só estão autorizados a vender 5 gramas, o equivalente a um cigarro, para cada cliente.
Recentemente, o governo holandês proibiu a venda da droga para estrangeiros.
Nem sempre foi assim. Na década de 70, quando a Holanda descriminalizou a
maconha e se tornou uma espécie de Disney libertária, fumava-se em praça
pública. A festa acabou cedo. Desde então, o tráfico só aumentou. A experiência
holandesa — e o recuo das autoridades — derruba um dos mais rígidos pilares da
defesa pela liberação: o de que a venda autorizada poria fim ao tráfico. Não
pôs.
No Brasil, desde 2006, com a
lei antidrogas sancionada pelo então presidente Lula, foi estabelecida uma
distinção na punição de traficantes e usuários. Os bandidos estão sujeitos a
até quinze anos de prisão. O consumidor não vai para a cadeia. Nesse caso, o
juiz decide por uma advertência verbal, pela prestação de serviços comunitários
ou recomenda um tratamento médico. A lei brasileira não contempla o volume
máximo da droga a ser classificado como uso pessoal. Luana Piovani e Isabel
Filardis são algumas das celebridades que defendem a tese de que a maioria dos
presos com maconha “nunca cometeu outros delitos, não tem relação com o crime
organizado e portava pequenas quantidades da droga no ato da detenção”. Do
ponto de vista social, elas estão corretíssimas. Do ponto de vista da saúde e
da aplicação das leis, nem tanto. O advogado criminalista Pedro Lazarini faz
restrições: “Um bandido pode se valer desses limites para nunca ser condenado”.
O ideal seria que as evidências científicas incontestáveis sobre os ruinosos
efeitos da maconha para a saúde sejam levadas em conta. Todos ganham com isso.
Fonte: https://www.antidrogas.com.br/2012/11/06/maconha-faz-mal-sim/