Por ADRIANA DIAS LOPES
VEJA 29/10/2012
O atual liberalismo em torno do consumo
da droga está em descompasso com as pesquisas médicas mais recentes. As
sequelas cerebrais são duradouras, sobretudo quando o uso se dá na
adolescência.
“Hoje ainda, até o fim do dia,
1 milhão de brasileiros terão fumado maconha. A maioria dessas pessoas está
plenamente convencida de a droga não faz mal. Elas conseguem trabalhar,
estudar, namorar, dirigir, ler um livro, cuidar dos filhos… A folha seca e as
flores de Cannabis são consumidas agora com uma naturalidade tal que nem parece
ser um comportamento definido como crime pela lei penal brasileira. O aroma
penetrante inconfundível permeia o ar nas baladas, nas áreas de lazer dos
condomínios fechados, nos carros, nas imediações das escolas.
A maconha que em outros tempos
já foi chamada de “erva maldita”, agora ganhou uma aura inocente de produto
orgânico e muitos de seus usuários acendem os “baseados” como se isso fosse
parte de um ritual de comunhão com a natureza, uma militância-. espiritual de
sintonia com o cosmo. Ha uma gigantesca onda de tolerância com esse vício. Nos
Estados Unidos, dezessete estados já regulamentaram seu uso medicinal. Em
novembro, os estados de Washington E Colorado farão um plebiscito sobre a
legalização. No Uruguai, o presidente José Mujica pretende estatizar a produção
e a distribuirão da droga. Em maio deste ano, no Brasil, sob o argumento do
direito à liberdade de expressão, o Supremo Tribunal Federal (STF) liberou a
marcha da maconha – desde, é caro que ela não fosse consumida pelos manifestantes,
em um de seus shows, em janeiro, Rita Lee causou tumulto ao interromper a
apresentação em Sergipe para interpelar os policiais que tentavam reprimir o
fumacê na platéia: “”Este show é meu. Não é de vocês. Por que isso? Não pode
ser por causa de um baseadinho. Cadê um baseadinho pra eu fumar aqui?””.
Na contramão da liberalidade
oficial, legal e até social com o uso da maconha, a ciência médica vem
produzindo provas cada dia mais eloquentes de que a fumaça da maconha faz muito
mal para a saúde do usuário crônico – quem fuma no mínimo um cigarro por semana
durante um ano. Fumar na adolescência, então, é um hábito que pode ter
consequências funestas para o resto da vida da pessoa. Aqueles cartazes das
marchas que afirmam que “maconha faz menos mal do que álcool e cigarro” são
fruto de percepções disseminadas por usuários, e não o resultado de pesquisas
científicas incontrastáveis. Maconha não faz menos mal do que álcool ou
cigarro. Cada um desses vícios agride o organismo a sua maneira, mas, ao contrário
do que ocorre com a maconha, ninguém sai em passeata defendendo o alcoolismo ou
o tabagismo. Diz um dos mais respeitados estudiosos do assunto, o psiquiatra
Ronaldo Laranjeira, da Universidade Federal de São Paulo: “Encarar o uso da
maconha com leniência é uma tese equivocada, arcaica e perigosa”.
Alguns dos argumentos para a
legalização da maconha têm uma lógica perfeita apenas na aparência. Os
defensores da legalização alegam que. vendida legalmente, a maconha também
seria cultivada dentro da lei e industrializada. A oferta aumentaria e os
preços cairiam. Isso tornaria inúteis os traficantes. Eles sumiriam do mapa,
levando consigo todo o imenso colar de roubos, assassinatos e corrupção
policial que a repressão à maconha provoca. O argumento não resiste ao mais
simples teste de realidade embutido na pergunta: “Quem disse que traficante
vende só maconha?”. Se a maconha fosse liberada, o tráfico de cocaína, heroína
e crack continuaria e todos os problemas sociais decorrentes do poder desse
submundo ficariam intactos. Acrescente-se à equação o fato de que a maconha
efetivamente faz mal à saúde, e a lógica dos defensores de sua legalização
evapora-se no ar ainda mais rapidamente.
Um dos estudos mais
impactantes e recentes sobre os males da maconha foi conduzido por treze
reputadas instituições de pesquisa, entre elas as universidade Duke, nos
Estados Unidos, e de Otago, na Nova Zelândia. Os pesquisadores acompanharam
1000 voluntários durante 25 anos. Eles começaram a ser estudados aos 13 anos de
idade. Um grupo era composto de fumantes regulares de maconha. Os integrantes
do outro grupo não fumavam. Quando os grupos foram comparados, ficou evidente o
dano à saúde dos adolescentes usuários de maconha que mantiveram o hábito até a
idade adulta. Os fumantes tiveram uma queda significativa no desempenho
intelectual. Na média, os consumidores crônicos de maconha ficavam 8 pontos
abaixo dos não fumantes nos testes de Q.I. Os usuários de maconha saíram-se mal
também nos testes de memória, concentração e raciocínio rápido. Os resultados
mostram que é falaciosa a tese de que fumar maconha com frequência não
compromete a cognição. Diz o psiquiatra Laranjeira: “Se o usuário crônico acha
que está bem, a ciência mostra que ele poderia estar muito melhor sem a droga.
A maconha priva a pessoa de atingir todo o potencial de sua capacidade”.”
O cineasta paulistano Álvaro
Zunckeller, de 32 anos, fumou maconha durante duas décadas, desde a
adolescência, com os amigos, na roda do bar e na saída da escola. No início,
era um cigarro a cada duas semanas. Chegou a três por dia. “Era um viciado, mas
para a maioria das pessoas eu era um sujeito sossegado, apenas um pouco
desatento”, conta ele. Zunckeller é um caso típico da brasa dormida dos danos
da maconha ao cérebro confundidos com um comportamento ameno e um estilo de
vida mais contemplativo. Apenas 10% dos pacientes internados em clínicas de
recuperação de dependentes foram parar ali para tentar se livrar do vício da
maconha. Ainda assim, muitos dos usuários da droga nessas clínicas foram
diagnosticados com esquizofrenia, bipolaridade, depressão aguda ou ansiedade —
sendo o vício de maconha apenas um componente do quadro psicótico e não seu
determinante.
Até pouco tempo atrás vigorou
a tese de que a maconha só deflagra transtornos mentais em pessoas com
histórico familiar dessas doenças. Essa noção benigna da maconha foi sepultada,
entre outros trabalhos, por uma pesquisa feita pelo Instituto de Saúde Pública
da Suécia. Um grupo de 50000 voluntários foi avaliado durante 35 anos. Eles consumiram
maconha na adolescência. Os suecos demonstraram que o risco de usuário de
maconha sem antecedentes genéticos vir a desenvolver esquizofrenia ou depressão
é muito mais alto do que o da população em geral. Entre os usuários de maconha
pesquisados, surgiram 3,5 mais casos de esquizofrenia do que na média da
população. No que se refere à depressão, o número de casos clínicos foi o
dobro. Os sinais de perigo da fumaça estão surgindo em toda parte. “O
bombardeio repetido da maconha sobre o cérebro cria uma marca neuronal
indelével”, diz Ana Cristina Fraia, psicóloga da Clínica Maia Prime, em São
Paulo, especializada no tratamento de dependência química.
A razão básica pela qual a
maconha agride com agudeza o cérebro tem raízes na evolução da espécie humana. Nem
ó álcool, nem a nicotina do tabaco; nem a cocaína, a heroína ou o crack;
nenhuma outra droga encontra tantos receptores prontos para interagir com ela
no cérebro como a cannabis. Ela imita a ação de compostos naturalmente
fabricados pelo organismo, os endocanabinoides. Essas substâncias são
imprescindíveis na comunicação entre os neurônios, as sinapses. A maconha
interfere caoticamente nas sinapses, levando ao comprometimento das funções
cerebrais. O mais assustador, dada a fama de inofensiva da maconha, é o fato de
que, interrompido seu uso, o dano às sinapses permanece muito mais tempo — em
muitos casos para sempre, sobretudo quando o consumo crônico começa na
adolescência. Em contraste, os efeitos diretos do álcool e da cocaína sobre o
cérebro se dissipam poucos dias depois de interrompido o consumo.
Com 224 milhões de usuários em
todo o mundo, a maconha é a droga ilícita universalmente mais popular. E seu
uso vem crescendo — em 2007, a turma do cigarro de seda tinha metade desse
tamanho. Cerca de 60% são adolescentes. Quanto mais precoce for o consumo,
maior é o risco de comprometimento cerebral. Dos 12 aos 23 anos, o cérebro está
em pleno desenvolvimento. Em um processo conhecido como poda neural, o
organismo faz uma triagem das conexões que devem ser eliminadas e das que devem
ser mantidas para o resto da vida. A ação da maconha nessa fase de reformulação
cerebral é caótica. Sinapses que deveriam se fortalecer tornando-se débeis. As
que deveriam desaparecer, ganham força.
Os efeitos psicoativos da maconha
são conhecidos desde o ano 2000 antes de Cristo. Seu princípio psicoativo mais
atuante é o tetraidrocanabinol (THC). Um outro componente da droga, o
canabidiol, é o principal responsável pelos seus efeitos potencialmente
terapêuticos. No campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, o
psiquiatra José Alexandre Crippa estuda o efeito do canabidiol no tratamento da
fobia social. Trinta e seis voluntários, metade deles composta de fóbicos,
ingeriram cápsulas da substância e, em seguida, tiveram de falar em público. Os
níveis de ansiedade apresentados pelos portadores do transtorno equivaleram aos
registrados pelos participantes sem a fobia. Todos os estudos sérios sobre os
potenciais usos médicos da maconha mediram os efeitos de uma única substância,
selecionada e isolada em laboratório — e não da inalação da fumaça de um
cigarro. Diz Crippa: “Os defensores do uso medicinal do cigarro da maconha
querem mesmo é obter a liberação da droga”. Nos Estados Unidos floresce uma
indústria de falsificação de receitas depois da legalização da erva para o
tratamento do glaucoma e no controle da náusea de pacientes submetidos a
quimioterapia. Para a alegria dos viciados, médicos inescrupulosos prescrevem a
droga por preços que variam de 100 a 500 dólares.
Em nenhum país a maconha é
completamente liberada. Um dos mais notoriamente tolerantes é a Holanda, que
permite o consumo da erva nos coffee shops, mas, ainda assim, os proprietários
só estão autorizados a vender 5 gramas, o equivalente a um cigarro, para cada cliente.
Recentemente, o governo holandês proibiu a venda da droga para estrangeiros.
Nem sempre foi assim. Na década de 70, quando a Holanda descriminalizou a
maconha e se tornou uma espécie de Disney libertária, fumava-se em praça
pública. A festa acabou cedo. Desde então, o tráfico só aumentou. A experiência
holandesa — e o recuo das autoridades — derruba um dos mais rígidos pilares da
defesa pela liberação: o de que a venda autorizada poria fim ao tráfico. Não
pôs.
No Brasil, desde 2006, com a
lei antidrogas sancionada pelo então presidente Lula, foi estabelecida uma
distinção na punição de traficantes e usuários. Os bandidos estão sujeitos a
até quinze anos de prisão. O consumidor não vai para a cadeia. Nesse caso, o
juiz decide por uma advertência verbal, pela prestação de serviços comunitários
ou recomenda um tratamento médico. A lei brasileira não contempla o volume
máximo da droga a ser classificado como uso pessoal. Luana Piovani e Isabel
Filardis são algumas das celebridades que defendem a tese de que a maioria dos
presos com maconha “nunca cometeu outros delitos, não tem relação com o crime
organizado e portava pequenas quantidades da droga no ato da detenção”. Do
ponto de vista social, elas estão corretíssimas. Do ponto de vista da saúde e
da aplicação das leis, nem tanto. O advogado criminalista Pedro Lazarini faz
restrições: “Um bandido pode se valer desses limites para nunca ser condenado”.
O ideal seria que as evidências científicas incontestáveis sobre os ruinosos
efeitos da maconha para a saúde sejam levadas em conta. Todos ganham com isso.
Fonte: https://www.antidrogas.com.br/2012/11/06/maconha-faz-mal-sim/
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